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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

CENAS DE UM ROMANCE

CENAS DE UM ROMANCE
Kate Huntington
Inglaterra, 1815
A verdadeira face do amor
Cassandra se sente dividida entre o alívio e a indignação quando Christopher declara que não tem intenção de se prender a um casamento sem amor, e que portanto ela está livre para aproveitar a temporada londrina. Mas como Cassandra pode se divertir, sabendo que o homem mais charmoso e atraente do mundo está se esbaldando com as mais belas mulheres da sociedade inglesa?
Christopher já foi acusado de muitos delitos, mas jamais impediria Cassandra de encontrar a felicidade, nos braços de outro homem. Por isso decide sair de Londres, sem imaginar que Cassandra o seguiria... e que seu coração se renderia aos doces encantos daquela mulher. E ao vê-la prestes a ser seduzida por um caça-dotes, Christopher só tem uma escolha: pedi-la em casamento, e torcer para que ela diga sim!

Capítulo I
Londres, Primavera de 1814
Christopher Warrender abriu um olho e sorriu, discreto, quando o contador, enviado a Dover para acompanhá-lo à propriedade de seu avô, encolheu-se no banco do coche e tapou o nariz com um lenço. O pobre infeliz parecia prestes a expelir o almoço, e Christopher não o recriminava. Sabia que seu odor fétido podia ser sentido a quilômetros de distância. Qualquer um que tivesse passado onze anos em prisões horrendas e malcheirosas se acharia no mesmo estado.
Bitche, Valenciennes, Besançon... Christopher fora um hóspede em todas elas, uma cortesia do antigo imperador da França após ter capturado todos os ingleses que desembarcaram na costa francesa em 1803. Tais viajantes, ávidos para provar os prazeres de Paris, haviam deixado a Inglaterra durante a famosa Paz de Amiens para descobrir, tão logo desembarcaram em Calais, que as negociações tinham sido desfeitas, e então passaram a ser reféns do governo francês.
Christopher, na ocasião um jovem de dezoito anos, fora à Europa com seu tutor sob as ordens do avô, pois Jasper Warrender, o visconde de Adderly, acreditava que nenhum homem podia se considerar verdadeiramente instruído antes de conhecer as maiores cidades do mundo e conviver com a sociedade continental.
Graças ao avô, Christopher sem dúvida recebera muita instrução! Agora sabia lutar, abrir fechaduras e falar um francês gutural tal qual um nativo.
Christopher poderia ter permanecido, naqueles últimos onze anos, no conforto de Verdun, a cidade onde os reféns ingleses de estirpe podiam continuar a freqüentar bailes e jantares, subsidiados por comerciantes gananciosos a um preço exorbitante, como se ainda estivessem na Inglaterra.
Mas Christopher, desprezando tais concessões a sua origem nobre, persistira em provocar uma série de encarregados, enfrentando guardas e oficiais na tentativa de fugir. Certa vez, quase conseguira chegar ao porto depois de atravessar o país vestindo farrapos e fingindo ser um fazendeiro.
Estava, aliás, planejando outra fuga quando, de repente, foi solto e se viu voltando para casa.
Para Devonshire.
De certa forma, a propriedade de seu avô era mais assustadora que a notória fortaleza de Bitche. Ao menos na prisão ele sabia o que esperar. Agora que suas forças não mais se concentravam nas tentativas de escapar, sentia-se estranhamente despojado de objetivos.
Os campos e as casas do condado pareciam os mesmos. Era como se nunca tivesse saído de lá. Christopher abriu a janela para sentir o ar campestre da Inglaterra. Para mais uma vez inspirar aquele aroma natural de liberdade que, inúmeras vezes, arriscara a própria vida.
Mas quando a viagem até Devonshire terminou, viu-se tomado por uma grande expectativa quando adentrou a residência onde nascera. Quantas almas que habitaram sua infância ainda estariam vivas?
— Sr. Christopher! — Sims, o velho mordomo do visconde, o abraçou.
Pela primeira vez em anos, sentiu lágrimas nos olhos, as quais logo reprimiu. Teria Sims encolhido? O topo da cabeça do mordomo batia no peito de Christopher.
De súbito, o serviçal recuou e olhou, envergonhado, para o chão.
— Perdoe-me, sir. Não sei o que há comigo. Christopher sorriu.
— Também estou feliz em vê-lo, Sims.—A voz de Christopher soou rouca devido à falta de uso.
— Vou avisar milorde que o senhor chegou — o mordomo anunciou, respeitoso. Em seguida, torceu o nariz. — E mandarei que lhe preparem um banho.
— Talvez eu deva me banhar antes — Christopher sugeriu. Não podia encarar o avô naquele estado. — Não deve incomodar seu patrão. Irei para meu quarto e o verei...
— Christopher, meu garoto!
Christopher reconheceria em qualquer lugar aquele brado tão sonoro.
Tarde demais, pensou, virando-se para fitar o avô, cuja rigidez o atormentara durante a infância e a adolescência inteiras devido à onerosa tarefa de tornar o neto um nobre digno tão logo começara a andar.
O sorriso do visconde se desfez ao notar os cabelos desgrenhados, a barba por fazer e as roupas rotas e sujas. Quando Jasper se aproximou, Christopher pôde ver o momento exato, por meio da expressão em seu rosto, em que ele sentiu o fedor da prisão.
— Você... mudou — o visconde disse.
— Mas o senhor não, vovô — Christopher afirmou, sincero.
— Está mais alto — lorde Adderly reparou. — E perdeu a forma rechonchuda da juventude.
— A comida no presídio causa esse efeito nas pessoas. — Christopher arqueou uma sobrancelha, sarcástico.
— Depois de cortar os cabelos e se barbear, você ficará apresentável. — O visconde acenou com a mão.
— O senhor leu meus pensamentos.
Pelo visto, o visconde aceitou a réplica. Ele apenas assentiu, quando, no passado, tal ironia teria valido um castigo para Christopher.
— Ainda bem que Cassandra se recolheu horas atrás por estar com dor de cabeça. Ela não suportaria vê-lo assim, Christopher.
— Cassandra continua aqui?
— Claro que sim. A jovem vive sob minha tutela. Onde mais estaria?
— Achei que já estivesse casada.
— O fato de Cassandra não ter encontrado um marido não é minha culpa — o visconde alegou, defensivo. — Deixo-a ir a bailes com freqüência. Aquela menina é teimosa demais. Insiste em dizer que só encontrará um marido em Londres, durante a temporada de verão. Recusa-se a escolher qualquer camponês da região.
— Pelo visto, ela não mudou nada.
Quando Christopher viu a honrada srta. Cassandra Davies pela última vez, ela se mostrara uma menina autoritária e voluntariosa, que não possuía a menor compaixão quando dizia a Christopher que jamais desposaria um gorducho sardento como ele, mesmo que seu tutor a trancasse no porão com os ratos e a deixasse a pão e água durante um ano.
O sentimento, na época, era recíproco.
Saber que Cassandra preferira os ratos a casar-se com ele fora um alívio para Christopher, até descobrir que o avô faria tudo para que a rica herdeira se unisse a seu neto. Se a guerra não tivesse ocorrido e Napoleão capturado os ingleses, não havia dúvidas de que seria marido de Cassandra assim que pisasse em solo inglês.
Olhando por esse prisma, os onze anos de cárcere em várias prisões francesas lhe pareceram quase uma bênção.
— Cassandra se tornou uma jovem muito bonita — o visconde mais uma vez revelava suas intenções. — Estou certo de que gostará dela quando a vir.
"Duvido muito!", Christopher pensou.
— Gostaria de ir para meu quarto agora, vovô.
— Claro, claro! Você precisa descansar.
— Sim. Boa noite.
O visconde o surpreendeu ao segurar-lhe a mão. Os dedos finos e fortes apertaram os de Christopher, como se Jasper relutasse em se afastar do neto.
— Achei que estivesse morto. — Para espanto de Christopher, o avô teve de engolir em seco devido à emoção.
— Também pensei que o senhor tivesse deixado este mundo, porque não pagou meu resgate.
— Recorri a vários canais oficiais e fui informado de que você e seu tutor tinham perecido em Verdun. Não recebi nenhum pedido de resgate.
— O sr. Gardiner de fato faleceu. Espero que tenha informado a família dele.
— Evidente que sim. Nós até encomendamos uma missa para você na capela. Toda a vizinhança compareceu. Acredite em mim, rapaz. Se eu soubesse que ainda estava vivo, teria movido céu e terra para trazê-lo de volta.
— Acredito no senhor, vovô.
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