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segunda-feira, 20 de julho de 2015

SOMBRAS DA NOITE



Sombras da Noite

Resgatada das ruas de Dublin...

Caitlyn O’Malley se encontrou sob o amparo de Connor D’Arcy, de dia conde de Iveagh e de noite o mais ousado salteador de estradas da Irlanda.
Das ruínas do castelo de Donoughmore, o valente nobre sai para roubar os odiados ingleses.
Logo Caitlyn cavalgará ao seu lado, atormentada pela crescente paixão que sente pelo homem que a converteu em mulher e, entretanto, trata-a como a uma menina… até essa noite infernal em que Caitlyn se viu obrigada a trair Connor para salvá-lo.

Capítulo Um

Caitlyn O’Malley era uma jovenzinha, mas ninguém o teria sabido se a tivessem visto pelas estreitas ruelas empedradas de Dublin aquela nebulosa tarde de abril de 1784. Nos últimos oito anos dos quinze que tinha vivido, tinha fingido ser um moço. Tanto êxito teve que ela mesma esquecia às vezes seu verdadeiro sexo. Seu negro cabelo emaranhado estava cortado de tal maneira que quase não chegava aos ombros.
Uma capa constante de fuligem escurecia suas feições delicadas.
 Seus enormes olhos azuis, grandes como ágatas em um rosto marcado pela fome, passavam quase despercebidos em meio de toda a sujeira. Um casaco velho e puído cobria seu corpo esguio e suas calças eram dois tamanhos maiores do que o necessário.
Parecia-se muito ao menino esfarrapado de doze anos que a acompanhava.
—Por Deus, O’Malley, que aroma mais maravilhoso!
Willie Laha se deteve para cheirar com inveja a bandeja de bolos de carne que o vendedor estava acomodando em sua carroça.
Estavam tão frescos que saía fumaça deles. Ao ver o exterior dourado e sentindo o seu delicioso aroma, Caitlyn sentiu a boca cheia d’água. A fome lhe retorceu o estômago. Nem ela nem Willie tinham comido a noite anterior nem em todo o dia, e já estava se aproximando a noite outra vez.
As sobras para o jantar eram provavelmente escassas. Os grupos de rapazes, meninos e mendigos que se escondiam nas guaridas perto da Rua O’Connell eram tão famosos que os comerciantes quase andavam armados. A vida de um menino valia tanto como uma maçã.
Com a feira de rua e os trabalhadores das docas nas ruas todas as noites, deveria haver abundantes sobras. Mas os farristas cuidavam de suas bolsas e os comerciantes olhavam com olhos de águia seus bens. Só uma semana atrás, Tim O’Flynn, um membro da turma de meninos, que era o mais próximo a uma família que Caitlyn tinha tido desde que sua mãe morreu, tinha sido enforcado por roubar duas ameixas e um pedaço de pão.
Com esse exemplo em mente, Caitlyn era mais precavida do que o habitual, embora a fome estivesse começando a minar sua acostumada prudência. Se não se decidisse a roubar, não comeria.
—Ei, você! Te mova ou te dou uma surra! —O grito provinha do comerciante com o rosto vermelho que tinha notado seu interesse e os ameaçava com um pedaço de pau na mão. Caitlyn lhe respondeu com um gesto grosseiro, mas não resistiu quando Willie a empurrou pela rua, a qual estava isolada pelas carroças de vendedores que ofereciam desde bolos de carne até sapatos de couro.
—É melhor que fiquemos quietos até que Doley e os outros venham. Só nós dois não temos muitas oportunidades.
Caitlyn franziu o cenho ante a cautela de Willie. O destino de O’Flynn estava convertendo em mulherzinhas a muitos deles. Tinham que sacudir de cima esse espectro se quisessem comer com regularidade.
Era pura tolice pensar — como Willie e alguns dos outros — que estavam perseguidos pela má sorte. O’Flynn não tinha sido o suficientemente cuidadoso ou rápido. A lição que deviam aprender não era deixar de roubar a não ser assegurar-se de não ser apanhados. E ela não o seria. Sempre tinha sido cuidadosa e, além disso, era a mais rápida de todos. Nenhum comerciante gordo a apanharia, como tinha acontecido a O’Flynn. E Jamie McFinnian, que tinha sido enforcado um mês antes que O’Flynn, sempre tinha sido torpe.
Que tivesse escapado até então era um milagre, nem mais nem menos. Não, não era que a má sorte os perseguisse. Não era nada mais que desajuizados.
—Olhe ali. — Com a cabeça dirigiu a atenção de Willie a um ângulo mais afastado da rua. Um homem alto e esbelto, vestido com elegância, abria caminho com despreocupação através dos sujos trabalhadores das docas que, com suas mulheres, começavam a encher a rua.
Enquanto eles olhavam, o homem tirou um relógio de ouro do bolso, abriu-o com a unha de seu polegar bem cuidada e o olhou um momento antes de voltar a pô-lo em seu lugar despreocupadamente.
O desdém torceu a boca de Caitlyn em uma careta. Obviamente o cavalheiro era um recém-chegado da maldita Inglaterra, um dos membros da odiada casta governante, e ninguém lhe tinha avisado que não se aventurasse aos perigosos bairros irlandeses da cidade. Passeava como se não lhe importasse o mundo, alheio aos olhares sombrios que recebia da maré de oprimidos que o rodeava.
—O cordeiro justo para a tosquia, Willie, meu amigo. — Os olhos de Caitlyn brilharam com uma combinação de avareza e ódio quando se fixaram no cavalheiro. O ódio não tinha nada a ver com ele
como pessoa. Os irlandeses odiavam aos ingleses desde seu nascimento. Era algo que levavam no sangue e nos ossos.

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